Encontro de Escritores de Língua Portuguesa
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Encontro de Escritores de Língua Portuguesa
Angola | Luanda
Publicado em 22-01-2015

Pela primeira vez o Encontro de Escritores de Língua Portuguesa teve lugar na capital angolana, Luanda - após 4 edições na capital potiguar do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil – num evento organizado pela Comissão Administrativa da cidade de Luanda e pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).

Esta V edição há semelhança das anteriores, desenrola-se à volta do tema central ”As Cidades na Literatura” no qual serão analisados três subtemas “As Migrações e as Cidades”, “Dinâmicas, Transformações e Ambiente Social” e “A Infância nas Cidades”, que foram debatidos de 21 a 23 de janeiro, no Hotel Diamante.

 

 


Na sessão inaugural, presidida pela ministra da Cultura de Angola, Rosa Cruz e Silva, a responsável defendeu ser necessário uma maior divulgação das obras dos escritores da lusofonia pelo grande público, destacando o seu contributo para o aumento de conhecimentos da juventude. A ministra realçou, ainda, que é desejo de Angola receber encontros deste género, com vários escritores lusófonos, para assegurar o intercâmbio cultural e o reforço das relações históricas, de aliança, amizade e solidariedade entre os diferentes países.

O Secretário-Geral da UCCLA, Vitor Ramalho, relembrou as edições anteriores realizadas em Natal, e a satisfação e orgulho de Luanda sedear este V encontro. Destacou a presença dos diversos escritores que vieram de fora de Angola, como Marco Guimarães, do Brasil, José Luís Tavares e João Lopes Filho, de Cabo Verde, Tony Tcheka, da Guiné Bissau, Ungulani Ba Ka Khosa e Suleiman Cassamo, de Moçambique, Miguel Senna Fernandes, de Macau, José Carlos Vasconcelos e José Fanha, de Portugal, e Luís Cardoso, de Timor Leste.

Para Vítor Ramalho a língua portuguesa é um instrumento determinante para a relação de natureza económica, cultural e até social e é "por essa razão que a língua portuguesa está a crescer e é hoje, seguramente, a quinta língua mais falada do mundo e a terceira língua mais falada do ocidente”.

O presidente da Comissão Administrativa da cidade de Luanda, José Tavares, deu as boas vindas aos escritores vindos dos quatro cantos do mundo onde se fala e escreve em português, realçando a importância do encontro no intercâmbio de culturas, com a vantagem de ser feito na mesma língua.

Para José Tavares, a língua portuguesa é mais do que um simples veículo de comunicação, é sobretudo um elo do desenvolvimento cultural, político e social entre os países que falam português. Aproveitando a ocasião, o responsável anunciou que o Prémio Literário Cidade de Luanda voltará a distinguir escritores, de forma a contribuir para o engrandecimento da cultura angolana.


Após a sessão inaugural decorreu um momento cultural com um grupo de Luanda que ilustrou, em dança, o poema que se cantava, alusivo à vida na cidade.

 

   

 

Dia 21 de janeiro
1.º Painel – “Dinâmicas, Transformações e Ambiente Social” moderado por José Carlos Vasconcelos (Portugal)
- União dos Escritores Angolanos 40 anos: Escritores, Cidades e Literatura - Carmo Neto (Angola);
- “Migração e Identidade: Experiência de uma Comunidade em Macau” - Miguel Senna
Fernandes (Macau);
- “Loanda, Luanda, Luwanda: do nome à Literatura” - António Fonseca (Angola).

 

 

 

Carmo Neto relembrou os 40 anos da União dos Escritores Angolanos (UEA) e da sua criação a 10 de dezembro de 1975, onde os escritores angolanos decidiram cimentar, em Luanda, os pilares da literatura nacional. A UEA assenta as suas atividades na liberdade criativa, na promoção dos valores culturais nacionais e de todas as conquistas universais, sendo que os seus fins convergem na promoção da defesa da cultura angolana como património da Nação.

Miguel Senna Fernandes com a apresentação “Migração e Identidade: Experiência de uma Comunidade em Macau” descreveu as migrações em Macau numa época de globalização, o papel da língua portuguesa e o desenvolvimento que o patuá, um crioulo de Macau, tem tido nos últimos anos e que deriva de uma mistura entre o mandarim e o português.

António Fonseca, prémio cidade de Luanda, explicou a origem, a palavra, a sua relação com a vida da cidade e a sua evolução através dos tempos.


Dia 22 de janeiro
Continuação do 1.º Painel – “Dinâmicas e Ambiente Social” moderado por João Lopes Filho (Cabo Verde)
- “Relatório de Expedição” – Manuel Rui Monteiro (Angola);
- “Benguela, a Cidade Mestiça” – Pepetela (Angola);
- “A Infância Habitante da Minha Cidade” – Conceição Lima (São Tomé e Príncipe);
- ”Literatura nos musseques” – Albino Carlos (Angola).

 

   


O dia 22 de janeiro começou com a intervenção de Manuel Rui Monteiro, autor que com a sua novela “Quem me dera ser onda” introduz na literatura angolana a temática da vida nas cidades pós independência, com as novas realidades, os inícios das imigrações e que irá servir de referência para as escritas posteriores.

Manuel Rui Monteiro apresentou o tema “Relatório de Expedição”, uma viagem no tempo e na ironia, poética também ou melhor sempre poética, pois Manuel Rui é um poeta que também escreve prosa. O escriba de Paulo Dias de Novais, que o próprio assume, dá-nos uma imagem pitoresca da relação entre colono e colonizado, terminando a sua intervenção com a defesa da língua que nos é comum, a língua portuguesa.

Seguiu-se o Prémio Camões, Pepetela, que com o texto “Benguela, a cidade mestiça” recria a sua infância em Benguela, cidade angolana, conhecida precisamente por ter uma população maioritária mestiça, da sua importância como elo de ligação entre brancos e negros – na sua infância era chamada de “cidade mulata”, nome que viria a ser esquecido ou ignorado por razões políticas depois da Independência -, das novas migrações e como esse passado se reflete no presente.

Relembrou a vida cultural, o desporto, a família, as amizades, a música. Falou dos diversos nomes criados para Benguela, como “cidade das acácias rubras”, “cidade mãe de cidades”, mas Pepetela prefere “cidade mestiça”, porque “retrata a sua essência de séculos, a que formou tantos de nós e de que guardo saudade, como símbolo de confluência de culturas, de compreensão e de aceitação entre pessoas diferentes apenas na cor da pele”.

Conceição Lima, com o tema “A Infância Habitante da Minha Cidade”, fez uma viagem intimista pela sua infância, a sua relação com a cidade, os espaços, os cheiros e sabores e a sua transformação ao longo dos tempos, e as situações que a modernidade ainda não resolveu.

O painel encerrou com a apresentação de Albino Carlos que abordou o tema ”Literatura nos musseques”. Descreveu como a literatura, ainda no tempo colonial, com Luandino Vieira e Agostinho Neto, se desloca do centro da escrita para a periferia.

Para o escritor “as narrativas são a peça chave na constituição de imaginários sociais e representações identitárias, sendo que a construção de uma Nação e, consequentemente, o processo de consolidação da identidade nacional depende da forma como cada povo narra a sua experiência de vida”. Sobre o tema, o autor adiantou que “os musseques estão na literatura e a literatura está nos musseques, sendo possível apreender o passado de Angola através da leitura dos discursos literários dos musseques, uma vez que se constituem como fontes de registo da nossa forma de ser e estar no mundo”.