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UCCLA acolheu lançamento do livro “Luanda - Avenida dos Combatentes”
Publicado em 13-12-2017
Decorreu, no dia 13 de dezembro, o lançamento do livro “Luanda - Avenida dos Combatentes” da autoria de Sandra Poulson, no auditório da UCCLA, num evento organizado pelo CEMD - Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora.
Delmar Maia Gonçalves, que fez o prefácio do livro, salientou “ter uma autora angolana editada pelos Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora” e no papel da lusofonia como aquilo que “vamos construindo com pequenos eventos, que se concretizam na prática, e não ficam pela teoria, e quando se fala em lusofonia” deve-se pensar, também, em países africanos que falam português, daí a publicação de qualquer “autor não moçambicano” pelo CEMD”.
O prefaciador leu a sua intervenção no livro, destacando o trabalho de Sandra Poulson e da sua poesia (prefácio poderá ser lido em baixo).
“Espero que este seja o primeiro de muitos outros livros” afirmou Sandra Poulson. Para a autora, a Avenida dos Combatentes - atualmente Avenida Comandante Valódia - no livro é apenas focada a “esquina direita sebastiana” onde tem desde animação 24 horas por dia, ao som das viaturas e dos moradores, aos pregões dos vendedores, à venda de filmes e fruta, aos cheiros, relembrando uma árvore onde “viviam” crianças e dos tiros que existiam, na falta de toponímia, para reforçar que o livro é reflexo “do que vi e não consigo escrever do que não vejo, e do que não sinto, e do que não cheiro”.
A capa foi elaborada pela filha Sandra Poulson que afirmou ter tido a “surpresa, muito boa, que foi perceber que a Sandra Poulson mãe andava a escrever pelo quintal sobre as mesmas coisas que eu andava a desenhar e andava a criar, por Londres, e esta capa acaba por ser um desafio porque os nossos trabalhos e o nosso conteúdo, a nossa mensagem e a forma de nos colocarmos enquanto criadoras, encontra-se no espaço de uma forma muito íntima” porque as histórias abordadas no livro são “histórias que eu vivi e, ao ler este livro, apercebo-me que algumas coisas que não entendia eram sim muito claras e que eu perguntava, e me eram explicadas” de uma forma mais “doce”.
Na capa, a personagem central é uma “mulher com três setes de seios” que traduzem uma “homenagem minha à minha mãe, a esta mulher com seios com memória” e que são os “três filhos que foram educados na esquina direita sebastiana” e os três seios traduzem o passar do tempo e da memória. Esta capa é “não só uma ilustração, que se passa nesta obra, mas é muito a ilustração da minha perspetiva sobre este sítio, este tempo”.
Biografia da autora:
Sandra Poulson é natural de Luanda, Angola, onde nasceu a 3 de julho de 1962. Ainda muito jovem foi locutora da Rádio Nacional de Angola. No princípio da década de oitenta, estudou no Instituto Superior de Ciências Educativas em Lisboa, no primeiro curso do Magistério Primário.
Trabalhou em várias empresas em Portugal e em Angola, onde se licenciou em Direito, na Universidade Católica de Angola. Atualmente é Advogada de profissão, com escritório em Luanda. É coordenada da DAR, Distribuição de Amor e Riqueza (espiritual), grupo criado por si, em que organiza ações de solidariedade social, nomeadamente apetrechamento de pequenas bibliotecas em escolas, seminários, hospitais de associações, em municípios longínquos do território angolano.
Participa em várias antologias e revistas com textos, sobre costumes e tradição oral angolana resultado da sua pesquisa de campo. É colaborado do jornal angolano de Artes e Letras, Cultura.
Prefácio do livro:
De Angola chega-nos este inspirado livro de Crónicas da multifacetada, empreendedora e experimentada autora angolana Sandra Poulson. Uma assídua frequentadora e participante dos meandros literários lusófonos em Angola e Portugal. Mais do que crónicas, estes textos são pequenas, mas significativas, “explosões” condensadas de forma a se enquadrarem nos espaços dos jornais, revistas ou boletins a que normalmente se destinavam.
Será, com efeito, a primeira angolana a editar uma obra individual com o Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e sem dúvida também uma honra e um privilégio, por irmos alargando e internacionalizando as nossas actividades no espaço da CPLP.
A característica fundamental das culturas africanas em que a angolana se insere é a sua oralidade e a crucial importância do seu registo uma necessidade sempre actual. A crónica nasce dessa tradição de ensinamento e aprendizagem através da transmissão e registo de saberes e valores de um bom observador inquieto e escritor.
A “oralidade” é, neste caso, tanto o efeito como a causa de um modo de estar social, porque claramente denuncia as relações sociais específicas, privilegiando também certos factores de estratificação ou de diferenciação social, é a iniciação e difusão de conhecimentos do observador mais atento que vai fidelizando leitores e que constitui uma “espécie” de observatório itinerante em que os protagonistas são a cronista - escritor, os observados (alvos de observação e acção, e ainda todos os fenómenos observados que afectam o seu quotidiano). Terá, portanto, uma função profundamente socializante e socializadora.
Há na escrita destas crónicas uma clara intencionalidade pró - activa para a sociedade angolana.
Na literatura universal, uma crónica é uma narração curta e incisiva, produzida essencialmente para ser veiculada na imprensa escrita, seja das páginas criativas e informativas de um jornal, de uma revista, de um boletim ou mesmo apresentadas numa rádio.
Claro que para bom uso desta ferramenta é necessária a bênção da «ars dicendi», isto é «a arte de dizer» onde se evidencia o cruzamento da grande criatividade popular da literatura oral e a função ou cultura estética canônica adquirida na literatura escrita e na sua prática quotidiana.
Nalguns casos acontece um esforço sincero de “metaforização”, de “ironização”, de “pleonasmização” e “humorização” das situações da realidade observadas e descritas.
A cronista cria um laço integrador entre o homem e o seu meio, como a memória colectiva fixada de um povo e seus dramas e alegrias que serão sempre, obviamente em última instância, o seu verdadeiro arquivo “natural”, o seu espaço de fixação, de envolvimento, de alerta, de reflexão e também de produção de soluções.
Por vezes identificamos silêncios nestas crónicas que respiram Angola e a angolanidade, mas de um silêncio que grita, que alerta, que apela, que ensina, que instrui, que planta, que corta, que abraça, que abarca, que congrega, que desafia, que interpela, que revolve, que fermenta, que entranha, que canta, e colherá os seus frutos, proporcionando a impossibilidade da indiferença.
Mas fica claro como a água, tal como dizia o poeta visionário Kahlil Gibran: “Na verdade falamos apenas para nós mesmos; contudo falamos por vezes suficientemente alto para que os outros nos consigam ouvir.”
Possui, assim, uma finalidade profundamente utilitária e quase sempre pré-determinada a agradar os leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no decurso dos dias, das semanas ou dos meses, uma grande familiaridade e cumplicidade íntima entre o escritor/cronista e todos aqueles que o leem. A cronista com alma de poeta demonstra aqui toda a sua capacidade para nos elucidar sobre a sua visão do mundo e a sua concepção da vida, que são largamente congregadoras, e um enorme contributo para a reflexão da sociedade e a sua harmonização.
Bem haja Sandra Poulson e bayete por nos proporcionar beleza e espanto nesta revigorante, pedagógica e instrutiva obra de crónicas!
Delmar Maia Gonçalves
(Escritor e presidente do Círculo de Escritores Moçambicano na Diáspora - CEMD)