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Obra “A Criança Branca de Fanon” apresentada na UCCLA
Publicado em 17-03-2018
A UCCLA foi palco da apresentação da obra "A Criança Branca de Fanon" da autoria de Alberto Oliveira Pinto, no dia 16 de março. Na presença do Secretário-Geral da UCCLA, Vitor Ramalho, e da editora, Cláudia Peixoto, a obra foi dada a conhecer pelos professores Jean-Michel Mabeko Tali e Tania Celestino Macedo.
Para Vitor Ramalho é com prazer que a UCCLA recebe a apresentação de obras de personalidades de língua oficial portuguesa e em “concreto este livro de Alberto Oliveira Pinto, um reconhecido historiador com provas dadas e com um excelente livro publicado sobre a História de Angola, que a todos aconselho”.
Relativamente ao livro agora apresentado, o Secretário-Geral adiantou que a “referência a Frantz Fanon, o africano de Martinica, que escreveu a obra polémica “Pele Negra, Máscaras Brancas”” foi uma das obras que, na sua juventude, o “marcou inclusivamente pela controvérsia”, manifestando uma grande curiosidade sobre a obra “A Criança Branca de Fanon”.
Vitor Ramalho salientou, ainda, que o autor Alberto Oliveira Pinto será o coordenador de um curso sobre História de Angola, que terá início a 10 de abril e que a UCCLA irá acolher e divulgar.
Para Alberto Oliveira Pinto o mais importante e o ponto de partida neste livro, é o “conceito polémico de ego-história, segundo a definição de Pierre Nora”. A escolha do título recaiu sobre uma leitura feita com 38, 39 anos onde relata um episódio contado por Frantz Fanon na obra “Pele Negra, Máscaras Brancas”.
Entrevista de Alberto Oliveira Pinto ao programa Repórter África, da RTP África, sobre o livro “A Criança Branca de Fanon” conduzida pela jornalista Isabel Rosa, difundida no dia 19 de março.
A apresentação da obra esteve a cargo dos professores Jean-Michel Mabeko Tali e Tania Celestino Macedo.
Jean-Michel Mabeko Tali afirmou que Alberto Oliveira Pinto “tomou um risco muito grande ao escrever este livro, é algo de muito atrevido em termos metodológicos porque é entre a memória e a história”. No prefácio, Jean-Michel acrescenta ainda que o autor “palmilhou um campo delicado, como historiador, na elaboração deste texto de ego-história, onde as linhas de uma e outra das duas facetas (memória e história), quando se cruzam podem confundir-se, e misturar-se”, classificando esta obra como um “relato analítico, histórico, um olhar sociológico e metodologicamente estruturado, sobre toda uma época da história, tanto de Angola como, por inerência conjuntural e estrutural, de Portugal colonial”.
O livro de Alberto Oliveira Pinto para Tania Celestino Macedo traz uma “série de elementos importantes, ao mesmo tempo que é uma história o mais possivelmente distanciada, é também uma espécie de cartografia amorosa sobre Luanda, sobre o passado”, recuperando “elementos importantes do passado, da colónia, Angola, especialmente Luanda” afirmou. Por outro lado, na segunda parte, a “metrópole, fala dos anos 70 já em Portugal e como o impacto da descolonização é importante”.
Para a editora Claudia Peixoto esta obra é “um atrevimento por parte do professor Alberto Oliveira Pinto”.
Ego-história
“O que é a ego-história? Não se trata de uma autobiografia pretensamente literária, nem de uma profissão de fé abstracta, nem de uma tentativa de psicanálise. O que está em causa é explicar a sua própria história como se fosse a de outrem, tentar aplicar a si próprio, seguindo o estilo e os métodos que cada um escolheu, o olhar frio, englobante e explicativo que tantas vezes se lançou sobre os outros. Em resumo, tornar clara, como historiador, a ligação existente entre a história que cada um fez e a história de que cada um é produto” (Sic.).
Pierre Nora
Tenho plena consciência de que o conceito de ego-história fornecido por Pierre Nora é facilmente manipulável e de que o historiador que se abalança a elaborar um ensaio ego-histórico se arrisca - conforme o advertiu Roger Chartier, outro nome respeitável da história cultural da escola francesa – a ser armadilhado pela confusão entre a ego-história e o testemunho. Daí decorre, aliás, um outro risco: o de a temperatura do “olhar frio” do ego-historiador, preconizado por Pierre Nora, facilmente poder aumentar. Assumo ambos os riscos. Mas atrevo-me a alvitrar que o “testemunho ego-histórico” – se me é permitida esta monstruosidade conceptual – pode ter relevância, caso sirva de complemento às fontes, sejam elas escritas, orais ou informativas. Tal se traduz, de resto, numa prática historiográfica que não é nova, muita cara aos clássicos, entre os quais se destaca o em tempos tão polemizado Suetónio (Roma, 69, d.C. – c. 141 d.C.). E quero, por isso, acreditar que este meu ensaio seja muito mais do que um testemunho autobiográfico.
Alberto Oliveira Pinto
Notas sobre Fanon
Quando, nos anos de 1990, li pela primeira vez “Peau noire, masques blancs” de Frantz Fanon, depressa me revi na criança branca que, no Capítulo V, não hesita em quebrar o silêncio dos pais e, apontando o dedo, bradar nos lugares públicos “Tiens, un nègre!” (“Olha, um negro!”). De facto, essas situações ocorriam na Luanda da minha infância, nos anos de 1960, em plena época em que o discurso político propalava a “inexistência de racismo português” e a “integração multirracial” em Angola. Trago bem presente na memória o olhar de soslaio dos colonos nos momentos em que, pontualmente, um negro se sentava na mesa de um restaurante na qualidade de cliente e em que, arriscando-me a admoestações dos adultos brancos do género “está calado” ou “isso não se diz”, fui, como outros da minha idade, a criança branca de Fanon.
Numa sociedade de racismo encapotado, como era a da Angola colonial, muitas crianças brancas desnudaram inocentemente - tal como a de Fanon e tal como a do conto de Hans Christian Andersen, que proclamou na rua a verdade inquestionável de que “o rei vai nu” – a falácia do mito do “anti-racismo português”. A leitura de Frantz Fanon permitiu-me perceber ter eu próprio sido, em tempos, uma dessas crianças. Este ensaio ego-histórico constitui, na esteira do meu já longo trabalho de historiador, mais um convite à reflexão sobre essa falácia do “anti-racismo português”, ainda hoje bem viva, e mesmo estranha e perversamente fomentada, nas sociedades angolana e portuguesa.
Alberto Oliveira Pinto
Nota biográfica do autor
Alberto [Manuel Duarte de] Oliveira Pinto nasceu em Luanda, Angola, a 8 de janeiro de 1962. Licenciou-se em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, em 1986. É Doutorado e Mestre em História de África pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde colaborou como docente no Departamento de História. Lecionou igualmente noutras universidades portuguesas. Presentemente é Investigador do Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do CEsA - Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão.
Como ficcionista publicou diversos romances e é autor de múltiplos livros de ensaio.
Em 2016, foi presidente do Júri do Prémio Internacional em Investigação Histórica Agostinho Neto da Fundação António Agostinho Neto (FAAN). No mesmo ano foi, pela segunda vez, vencedor do Prémio Sagrada Esperança 2016 com o ensaio inédito Imaginários da História Cultural de Angola.